Em entrevista exclusiva para o blog Vinhosargentinos, um dos principais nomes da vitivinicultura argentina, relembra momentos marcantes e faz uma leitura crítica sobre a indústria nacional. O engenheiro agrónomo assegura que apoia os enólogos que pensam no consumidor e menciona possíveis pontuações manipuladas por causa de “fama e amizade”.

Arte e Vinho
“Eu discordo dos que falam ‘o mais importante é o terroir’. Não é bem assim. Isso pertence ao marketing e aos que vivem da promoção do vinho. Para mim, como acontece no mundo das obras de arte, o importante é o artista e não o local utilizado como modelo. Alguém acredita que Arles (localidade onde se pintou uma famosa obra de Vincent van Gogh) pode ser mais significativa que a obra produzida pelo Van Gogh? Além disso, ás vezes, infelizmente, alguns só preferem ouvir aos curadores de arte, que falam de moda, descrição e história da obra. Igualzinho ao mundo do vinho. Existem pessoas que acham mais valioso haver obtido uma bela pontuação ou uma opinião favorável feita por um ‘expert’ por cima do prazer inigualável que provoca uma taça de vinho, produzido pela conjunção do local, variedade e esforço da equipe enológica. Peço aos comunicadores que descrevam o vinho como ele é: agradável, prazeroso, capaz de melhorar as relações humanas e criar vínculos”.
O fator humano
“A videira, uma planta exótica na Argentina, não é autóctone, portanto, ó fator humano passa a ser essencial. Não existe terroir que melhor se expresse na Argentina sem antes passar pela mão do homem ao plantar a videira, a protege-la; porque caso o humano não a cuide, ela morre. Então, além de um Terroir, que precisa ser bem interpretado, você tem que fazer tudo de forma muito correta: dirigir o vinhedo com conhecimento, cultivar, escolher variedades, leveduras e bactérias, realizar clonagem e pé de enxertos, podar e regar em função dos objetivos, fazer a colheita no momento oportuno, processar a uva e conduzir a fermentação, utilizar protetores e técnicas para evitar oxidação e proceder a conservar o vinho sobre borras e em presença de madeira. Além disso, existem uns oitenta fatores que poderiam afetar as características do vinho obtido, e apenas, uns dez desses fatores surgem do Terroir; quer dizer, em muitos casos, esses fatores também são modificáveis pelo homem. Entendo o vinho como uma obra produzida pelo homem e não me refiro apenas ao enólogo (que comanda o processo geral) também depende do viticultor e da empresa que assume os custos e os riscos do negócio”.
Fama e Amizade
“Lembro de duas colheitas péssimas: em 1998, que precisou-se descontinuar de forma correta vinhos de Alta Gama, e em 2016, que teve chuvas durante 22 dias em fevereiro, em uma colheita ruim e pobre em quantidade. A indústria não conseguiu administrar esse problema, foi catastrófico para os mercados e para o Malbec. Claro que no final dos anos noventa, houve uma revolução dos sabores do vinho que se consolidou no ano 2000. De 2000 até 2017, Argentina se deu muito bem nos mercados internacionais (crescimento de mais de 17% anual em exportações) investimentos, conhecimento e resultados econômicos, mas depois disso se freou tudo, até os dias de hoje. Acredito que a melhor etapa foi de 2003 até 2014. O aporte dos flying winemakers teve um início bastante positivo, complementou-se conhecimento e experiência. O ponto negativo foram os vinhos muito concentrados, alcoólicos e maduros demais. Eram únicos e chamativos, aptos para poder conversar sobre eles, porém, bem difíceis de beber, com frutas tipo marmelada, pouca acidez e sem potencial de guarda real. Se falou bastante desses vinhos, eles obtiveram boas pontuações por causa da fama e amizade entre alguns produtores e degustadores. Esses vinhos, lentamente, sumiram do mercado. Depois veio a moda de vinhos pouco alcoólicos e verdes, acho que não terão sucesso, são exitosos só nos honorários dos que os divulgavam.”
“Raul de la Mota foi o melhor enólogo argentino dos anos ’80”
“Nos anos setenta, os enólogos eram de ‘laboratório’, controlavam as fermentações com grandes quantidades de SO2 (sulfitos) nos vinhos de Alta Gama, havia extrações agressivas e se envelheciam em grandes barris de carvalho para oxida-los e lograr taninos macios. Nos oitenta e começo dos anos noventa, chegaram do exterior enólogos que fizeram vinhos para exportar com seu nome: Os assessores Guy Ruhland, Paul Hobbs, Michel Roland, Alberto Antonini, Atiglio Pagli, Jack Lurton, Hans Bitner, entre outros. Eles aportaram conhecimento e carimbaram o conceito do vinho que temos hoje. Com madeira nova, saudável e sem oxidação, de características diferentes as tradicionais. Na época, os enólogos começamos a viajar e a ter contato com o mercado estrangeiro. Além de experiência, voltamos ao país com oxímetros, material de conexão para tubos, bombas sanitárias, torneiras, T com viseira, injetores de gás, etc. Foi um grande aprendizado! Até esse momento, só Raúl De la Mota tinha contato com a Europa, e ele era, indiscutivelmente, o melhor enólogo da Argentina. Hoje, a capacidade técnica dos nossos profissionais do vinho, engenheiros e enólogos, é ótima! Eles precisam de apoio! Mas sem transforma-se em seguidores de experiências estrangeiras ou ideólogos do marketing. Sem criar novas modas ou relatos centrados só no marketing. Isso, até poderia dar resultados rentáveis, mas não acrescentaria grandes avanços na nossa indústria. Acho importante que se pense em fazer bons vinhos com a realidade atual da Argentina. Vinhos que são pensados apenas para o consumidor. A qualidade depende da sua expressão aromática, aromas intensos, de frutas, especiarias, taninos amplos e macios em tintos, uvas maduras, frescor, todo isso produzido com harmonia e elegância. Como uma obra de arte…”

Passado e Futuro do Vinho Argentino
“A primeira mudança notável aconteceu nos vinhos brancos, com a troca do Riesling como variedade principal (pouca fruta e muito ácida) pela Chardonnay, elaborada com madeira, deixando um vinho mais alcoólico, de cor intensa e saboroso. Nos tintos, começaram a aparecer vinhos jovens, de cores rubi, com grande expressão de fruta fresca e taninos redondos. Esses vinhos suplantaram aos tradicionais. Argentina perdeu com o aquecimento global o fato de obter uvas bem maduras, algo difícil de conseguir nas principais regiões de França. Daqui para frente, precisamos oferecer o nosso potencial técnico e o conhecimento para tentar crescer em um mercado muito competitivo; e além de melhorar e cuidar dos nossos Malbecs, também poder oferecer novos varietais e blends. A indústria precisará de mais liberdade para desenvolver diferentes produtos, ainda mais em um momento com uma lente no consumo dos Milenialls, que procuram produtos inovadores. A irrigação, por exemplo, é um fator primordial na qualidade da uva (na Argentina é essencial) e acho a principal ferramenta para produzir uvas de Alta Gama. Essas uvas de Alta Gama mudaram de região. Foram de Mendoza (Primeira Zona) para Agrelo e o Alto Vale do Uco. Surgiram novas áreas na província de San Juan, em Pedernal, Tamberías e Zonda; em Salta, Cafayate, e outras mais altas como Yacochuya. Em Neuquén, como San Patricio del Chañar ou mais perto do oceano para a produção de vinhos regionais.”
“Ao reproduzir depoimentos, o blog vinhosargentinos, aceita e respeita todas as diversas visões e pontos de vista, mas não se responsabiliza pelas impressões, comentários e opiniões vertidas pelos entrevistados.”
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