Um dos pontos turísticos mais visitados da Argentina, e famosa pela sua natureza e gastronomia, a Patagônia parece ser menos conhecida ao respeito da sua rica viticultura. A influência do clima extremo da região, contribui com a produção de vinhos “naturalmente orgânicos”. Vinhosargentinos conversou com oito especialistas que cultivam em um dos lugares mais imponentes do planeta, e explicam por que motivos seus vinhos merecem ser apreciados com atenção.
Com mais de trinta anos de experiência na região, o enólogo Marcelo Miras, da Bodega Miras, conta para Vinhosargentinos as suas impressões sobre o privilegiado terroir do Alto Vale do Rio Negro, na província de Chubut. “Neste clima continental desértico da Patagônia Norte (com pouca chuva), a boa amplitude térmica durante a maturação das uvas, junto com os ventos e brisas permanentes, contribuem com a conservação da acidez natural e a uma excelente sanidade dos vinhedos, que eu os chamo de ‘naturalmente orgânicos’. Para o rego, uma água de excelente qualidade desce com belo caudal pelos rios Neuquén e Limay” explica o produtor da vinícola familiar criada em 2003. “As variedades que se adaptam muito bem à diversidade destes solos heterogêneos, aluviais, pedregosos, limosos, arenosos e argilosos, são a antiga Trosseu, Merlot, Pinot Noir, Cabernet Sauvignon, Malbec, Cabernet Franc, Syrah, Chardonnay, Sauvignon Blanc, Semillon, Riesling, Gewurztraminer Rosé, Torrontes Riojano e o Torrontés Mendocino” assegura o artesão.
A rica história do Alto Vale do Rio Negro é garimpada pela tradicional Humberto Canale, fundada há mais de 110 anos. “Somos a primeira vinícola da Patagônia em certificar um protocolo de sustentabilidade. Manter o meio ambiente sustentável é primordial para a gente” afirma Horácio Bibiloni, enólogo da vinícola familiar dirigida hoje pela quarta e quinta geração. “As características do clima, (no verão dias cálidos e com noites mais frias), a boa maturação das uvas, o solo, a disponibilidade da água, tudo isso impacta na frescura, na acidez natural, na fruta fresca. Produzimos vinhos amáveis, com identidade, complexos e elegantes”.
Outro craque da enologia é o holandês Hans Vinding, winemaker e proprietário da vinícola Noemia. Ele chegou na Patagônia em 1998 para realizar uma consultoria, mas se encantou pela natureza e decidiu ficar: “Me surpreendi pelo clima, os solos pobres, pela falta de doenças, e especialmente, pela qualidade da água mineral que desce dos Andes; água é um luxo cada vez mais escasso e precioso” diz para Vinhosargentinos, enquanto anda pelos seus vinhedos orgânicos plantados em 1932. “Essas plantas de oitenta e oito anos convivem nesse solo rico que têm um cheiro gostoso de floresta. Somos apaixonados pela viticultura. Somos mais viticultores que enólogos. Para nós, o que começa na vinha acaba na garrafa” confessa Hans, um apaixonado que utiliza práticas biodinâmicas.
Conforme os registros e depoimentos apurados, Vinhosargentinos vai descobrindo neste Dossiê exclusivo algumas pérolas e projetos de exploração. Um deles, encontra-se na região mais fria da Argentina e no extremo Sul do mundo. Exatamente em Sarmiento, ao Sul do Chubut. Juan Pablo Murgia, enólogo da vinícola Otronia, apresenta uma nova Patagônia extrema: “Ela é virgem e especial pelo seu alto grado de pureza e naturalidade. É única, pela combinação do clima com diversos solos de areias eólicas, argilas de origem lacustre e do carbonato de cálcio que há no local graças as rocas que caem do rio Senguer da Cordilheira dos Andes e desembocam no lago Musters” conta Murgia. “Durante o ciclo vegetativo da planta, há temperaturas extremas. Para evitar danos pelas geladas e como defesa dos ventos típicos, utilizamos sistemas de aspersão. Ao controlar esses fatores, observamos um caráter e um perfil sensorial especial nos vinhos, com níveis de acidez difíceis de obter em outras regiões do país” explica, quem produz, principalmente, Pinot Noir, Chardonnay, Gewurztraminer e Pinot Grigio.
Para o jovem enólogo Agustin Lombroni, proprietário do pequeno projeto familiar Dominio de Freneza, “meu sonho era cultivar na terra onde eu nasci e cresci” confessa, quem começou na enologia aos 17 anos. Ele trabalhou em Mendoza, Nova Zelândia, Estados Unidos e em Pomerol e Château Le Pin, na França. Hoje, junto a sua família, ele escolheu um vinhedo do ano 1946, em um pequeno município rural chamado Mainque. “No Alto Vale do Rio Negro, praticamente, não se precisa utilizar enxofre nem cobre. O vento protege o vinhedo dos fungos. Uma fotografia típica daqui são os álamos. Nós temos muitos; eles protegem as vinhas dos fortes ventos, que, mesmo assim, o fator vento é ótimo para manter a uva saudável. Só que muitas vezes, superam os oitenta quilômetros por hora e podem quebrar os brotos das plantas” opina Agustin a Vinhosargentinos. “O solo, rico em argila, precisa ser trabalhado. A disponibilidade hídrica é incrível o ano todo, é água que cai desce do degelo de Los Andes, e todo o sistema de rego que se produziu a fines de 1900 foi feito a mão pelos nossos antepassados”, afirma, quem produziu em 2020 menos de dez mil garrafas de Pinot Noir.
O enólogo Sergio Rodriguez, da vinícola Viñas del Nant y Fall, fala com orgulho sobre o terroir do Trevelin, ao noroeste da província de Chubut, em plena Cordilheira dos Andes: “Somos um dos vinhedos mais austrais do planeta. As plantas convivem com geladas todo o ciclo produtivo, (temperaturas de zero graus e até menos), isso nos obriga a protegê-las com uma capa de gelo gerada por uma aspersão. Graças a essa proteção da planta do frio exterior, os aromas, os sabores e a cor dos vinhos, se intensificam por cima dos parâmetros tradicionais. Por exemplo, o nosso Pinot Noir possui um brilho mais intenso”.
No Vale do Trevelin, na Patagônia Sul, também cresce o projeto Contra Corriente. Sofia Elena, enóloga e responsável pelo vinhedo, afirma sentir felicidade pelos resultados obtidos nas primeiras duas colheitas realizadas até hoje: “Estamos em uma região marginal. Aqui temos muita amplitude térmica, com 30 graus em verão, incluso mais do que no Vale do Uco, em Mendoza, por exemplo” compara Sofia. “A Cordilheira dos Andes fica do lado, é baixa, então temos influência oceânica. As primaveras e os outonos são bastante úmidos e o verão muito seco, o que permite uvas saudáveis, por isso, nós somos orgânicos. Os nossos vinhos são menos alcoólicos, frescos e com uma acidez natural balanceada” afirma Sofia, que produz Pinot Noir, Chardonnay e Gewurztraminer.
Da Cordilheira para o mar. Com sua habitual ousadia, o viticultor Matías Michelini, mais conhecido pelos seus rótulos de Mendoza, idealizou um novo projeto na Patagônia: “Nós, encontramos uma praia, na beira do mar, localizada na Bahia Bustamante, e lá plantamos em 2018 Semillon e Pinot Noir. Em 2020 foi a nossa primeira colheita, com vinhos que têm caráter de mar, algas e sal. Os solos da praia são de pedras, conchas marinhas e argila, muito bem aptos para a vinha e com a influência marítima, além de ser uma paisagem muito selvagem, com pinguins e baleias” finaliza Matias para Vinhosargentinos.
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