Em homenagem pelo Dia Mundial do Malbec (17 de abril) o blog Vinhos Argentinos teve o prazer de conversar com algumas das mais destacadas personalidades do vinho argentino. Nestes depoimentos exclusivos, eles contam as suas vivências sobre a cepa que deu certo na cidade de Mendoza, mais conhecida como a terra do sol e do bom vinho.
Para a empreendedora Susana Balbo, primeira mulher enóloga argentina, a data em que se celebra o Malbec World Day, a deixa emocionada.
“Sinto um grande orgulho que o Dia Mundial do Malbec coincide com a data de aniversário do meu pai: 17 de abril, dia em que se fundou a primeira escola vitivinícola de Mendoza. O meu pai me ensinou a beber vinho com moderação. Sendo criança, aprendi a degusta-lo na mesa familiar. A nossa bebida em casa era vino con soda (vinho com água gaseificada) e até os dias de hoje é a nossa bebida nacional” conta a Vinhos Argentinos a fundadora da vinícola Susana Balbo Wines.
O orgulho pelo pai também lhe traz boas lembranças a Laura Catena, quarta geração familiar e diretora da vinícola Catena Zapata, considerada a marca de vinhos mais admirada do mundo 2020, segundo a prestigiosa revista Drinks International.
“A pergunta favorita dos jornalistas era: ‘o que você irá cultivar além do Malbec?’ Eu ficava irritada. Como me perguntavam isso? O Malbec é a variedade que deixou famosa a minha família! A meu país! É uma cepa antiquíssima, que data da época dos romanos, famosa nas Cortes, era a uva mais cultivada em Bordeaux (França) local onde se produzem os Grand Cru, vinhos mais famosos do mundo, e do século IXX”, comenta Laura, fundadora da Catena Institute of Wine.
“Na época, a uva ficou um pouco abandonada, porque era algo delicada. Até que a Malbec chega na Argentina durante a filoxera (praga que destrói várias partes da videira) e ela faz renascer a meu país, graças aos esforços do meu pai (Nicolás Catena) que a cultivou, para ter qualidade, e logo a exportou no mundo todo” diz Laura a VinhosArgentinos, formada em Harvard (Biologia) e em Stanford (Medicina).
“O meu pai plantou a Malbec nos anos 1990 no vinhedo Adrianna, em um local onde as pessoas diziam que a uva não iria a maturar corretamente porque era muito frio. Porém, o meu pai acreditava na região, e ele conseguiu! E nesse vinhedo Adrianna, o nosso Malbec foi o primeiro vinho em Sul América em haver conquistado 100 pontos por três publicações diferentes do mundo. Então, peço por favor, não me façam de novo a pergunta: ‘o que há além do Malbec? ’”, finaliza sorridente.
Weinert Malbec Estrella 1977
O renomado enólogo Roberto de la Mota é um conhecedor da história da viticultura. Segundo ele conta, “um 17 de abril de 1853 o francês Michel Aimé Pouget fundou a primeira Faculdade de Estúdio de Viticultura de América, a Escola Agronômica de Mendoza”.
Conforme os registros, Pouget levou as vinhas do Malbec para Mendoza por solicitação do Pai da Educação, o jornalista, escritor, e ex-presidente argentino, Domingo Faustino Sarmiento, que encomendou a criação de uma estufa de vinhas, que foi chamada de Quinta Nacional.
Segundo o livro Vino Argentino, escrito por Laura Catena, o pai de Roberto de la Mota, o reconhecido enólogo Raul de la Mota, produziu um dos primeiros vinhos argentinos em atrair a atenção do famoso crítico Robert Parker Jr. da revista americana The Wine Advocate: O Weinert Estrella, um blend de Malbec e Cabernet Sauvignon.
Para o blog Vinhos Argentinos, Roberto de la Mota escolheu uma seleção de quatro Malbec que ele considera especiais na sua vida. Um deles é o histórico Winert Malbec Estrella, da safra 1977, produzido pelo seu pai: “Ainda hoje podemos degustar esse rótulo muito bem” afirma Roberto, enquanto ele vai contando histórias.
“Esse aqui é um Malbec Terrazas do 1996, de apenas seis mil garrafas produzidas, que me permitiu realizar o projeto Terraza de los Andes. Outro rótulo que me enche de orgulho é um Malbec chamado Revancha que faço junto a meu filho Rodrigo, terceira geração de enólogos da família. E o Finca Remota, de Mendel Wines, um vinho intenso, frutado, fresco, e feito de um vinhedo pequeno, de uns setenta anos, em Altamira, Vale do Uco” descreve apaixonado.
“Curiosamente, o Winert 1977 e o Finca Remota 2008 fizeram muito sucesso em um encontro de produtores franceses, na região de Mersault, na Borgonha. ‘Fiquei doido com esses dois vinhos deliciosos! Eu preciso conhecer Mendoza’ me disse um famoso bodegueiro naquela degustação tão importante” expressa Roberto com orgulho.
O Picasso dos vinhos
Alejandro Vigil vendeu café na rua, trabalhou carregando tripas, foi eletricista, operário nos vinhedos, e hoje é um dos enólogos e empreendedores mais respeitados de América Latina.
Laura Catena define a Vigil como “o nosso Picasso”. Em seus tempos livres, o viticultor gosta de ler Cortázar e Borges.
“O primeiro vinho que eu fiz e bebi foi um Malbec e Criolla, lá pelos anos 1977/1978. Foi na parreira da casa dos meus avôs (Mafalda e Tristán eram agricultores) eles tinham parcelas dessas duas castas; eu devia ter uns quatro anos, eram tempos em que se misturava tudo e se fazia vinho” lembra Alejandro Vigil, enólogo-chefe da Catena Zapata, a Vinhos Argentinos.
Sobre a vinificação do Malbec em Mendoza, Alejandro disse que “a primeira grande mudança da última década foi o fato de vinificar o Malbec e o Cabernet Sauvignon de forma diferente, deixar de pensar essas cepas como si fossem a mesma coisa. Não estamos em Bordeaux, estamos em Mendoza”, opinou no livro Vino Argentino.
“O Malbec é a nossa variedade e a melhor que se adapta à região aonde a cultivamos –afirma o enólogo Sebastian Zuccardi a VinhosArgentinos– O desenvolvimento do Malbec se deu, principalmente, pela observação dos viticultores no campo, e pelas inúmeras gerações de produtores que a plantaram, a selecionaram e foi melhorando a sua genética. E quando a gente cultiva o Malbec, ao andar pelos vinhedos, a cada ano, enxergamos que a variedade tem uma adaptação fantástica! Aliás, resulta maravilhosa a transmissão e expressão do local. Para mim, isso, chama-se transparência. Se expressa em cada local de forma diferente. Visualizamos as diferenças entre as regiões de Altamira, San Pablo e Gualtallary, por exemplo. É uma variedade que pode ser identificada no local onde se cultiva, e ela se expressar nas nossas regiões; isto, para mim, a transforma ainda, numa cepa mais especial” explica Sebastian, responsável pelo projeto inovador Pedra Infinita, pertencente à Família Zuccardi, no Paraje Altamira, Vale do Uco.
Identidade e emoção
No final dos anos noventa, Sebastian Zuccardi sonhava com ser veterinário, além de tentar produzir um pequeno lote de espumantes no Vale do Uco, com quatro amigos do ensino médio. “A nossa primeira fermentação foi pífia, durante a toma de espuma o vinho simplesmente não fermentou! Foi um início auspicioso…”, lembra bem-humorado.
Vinte anos mais tarde, Pedra Infinita foi eleita campeã do mundo pela sua arquitetura, na prestigiosa revista Decanter. E Sebastian Zuccardi resultou eleito entre os dez melhores produtores de América do Sul.
Para Matías Michelini, proprietário e enólogo das vinícolas o Super Uco e Passionate Wine, o seu maior orgulho aconteceu na sua primeira colheita como responsável enológico de Doña Paula e na primeira safra da vinícola de capitais chilenos, na Argentina (ano 1999). Foi em uma vinha de Malbec de cinquenta anos, na localidade de Ugarteche, Lujan de Cuyo.
“Decidi elaborar uma vinificação em pequeno volume da parcela mais pedregosa, e conseguimos lançar apenas mil garrafas que a chamamos Doña Paula Seleccion de Bodega Malbec, e esse ano obteve 91 pontos pela Wine Espectator. Na época, esse prêmio era muito importante para um Malbec argentino, aliás, eu era muito jovem. Hoje, vinte anos depois, Doña Paula cresceu muito, produzem quase trinta e cinco mil garrafas desse rótulo e sei que está fazendo sucesso no cenário internacional. Sinto uma grande honra de ter participado da criação de um grande Malbec argentino” diz Matias a Vinhos Argentinos, um dos mais inovadores viticultores da Argentina.
Juventude e ousadia
O seu irmão menor, Juan Pablo Michelini, considerado também um destacado enólogo, conta que ele foi da preocupação ao descobrimento. Em 2009, Juan Pablo tinha um pé atrás sobre começar a fermentar com leveduras nativas (próprias da uva) ideia que lhe havia proposto Matias. “E se der tudo errado durante a fermentação? Até esse momento eu sempre tinha utilizado leveduras selecionadas” diz Juan Pablo, enólogo do El Zorzal e Altar Uco.
“A discrepância com o tipo de levedura que iríamos escolher, nos levou a fazer um acordo: ele trabalharia só com nativas e eu apenas com selecionadas. Quer saber? O meu irmão levou a melhor! Os vinhos Malbec com as leveduras nativas que ele produziu tiveram um ótimo resultado. Eram especiais, emocionantes, com aromas herbáceos e minerais. E além do mais, com a identidade da região do Gualtallary. Desde 2010, a gente só produz vinhos com leveduras indígenas e pouca intervenção. Nós acreditamos que estamos indo pelo caminho certo” opina Juan Pablo, rigoroso e determinado em alcançar a expressão mais pura do terroir.
Em sintonia com o esse estilo de vinificação, o enólogo German Masera, da Escala Humana Wines, afirma a Vinhos Argentinos que seu primeiro contato com a cepa Malbec foi no ano 2002, graças a um amigo que lhe apresentou uma vinha antiga em Lujan de Cuyo, Mendoza. “A vinifiquei, trabalhando uva por uva, grão a grão, em uma parreira da casa do meu avô, e a fermentei em um garrafão e em alguns potinhos de azeitona de 50 litros. A partir dali, nunca mais me desliguei do Malbec” confessa o jovem criativo viticultor, que acostuma a trabalhar os vinhedos com a colaboração da sua família, esposa e filhos.
“O Malbec foi um grande mestre na minha vida. Uma grande testemunha junto a meu avô -continua Germán- Me ensinou a ouvir e a valorar o esforço da minha família por ter me dado estudos, a valorar o esforço das pessoas que trabalham no campo. O Malbec me ensinou a cuidar da terra. E a respeitá-la”.